terça-feira, 10 de abril de 2012

Me engana que eu gosto




Me engana que eu gosto.
Jura de novo essa montoeira de juras com esse bafo de cachaça e esse olhar de quem nem faz ideia do que tá dizendo.
Me engana, vai, me engana que eu gosto.
Me engana e me suplica que eu gosto dos dois.
Implora pela minha clemência, vai.
Diz que essa vai ser a última vez, que amanhã você acerta tudo e poderemos começar do zero, sem dívidas um com o outro.
Me engana que eu gosto.
Você nem faz ideia do que tá dizendo, mas eu gosto.
Suplica pelo meu sim, diga que sem ele você não vai conseguir nem mesmo dormir.
Me engana que eu gosto.
Pode ficar de joelhos, pode rastejar, pode chorar, isso me diverte.
Eu gosto, admito, mas tenho que te dizer, você não me engana mais.
Não acredito nas suas promessas, nas suas juras, nos seus joelhos no chão em nenhuma dessas ceninhas que se tornaram especialidades suas.
Dessa vez eu digo com a boca cheia de prazer: NÃO!
Ou você paga o que tá devendo, ou não bebe mais uma gota da minha cerveja!
Fiado, nunca mais!

sábado, 7 de abril de 2012

Amor de mãe


Ela sabia, como sabem apenas as mulheres, que dificilmente coisa pior do que nascer neste gênero há de haver.
São tantas as dores, físicas, psicológicas, obrigações estúpidas que numa mínima fração de coerência seriam facilmente divididas com os homens, mas não, formatou-se de tal maneira que restringiram as pobres das mulheres que assim deveria ser, e foi, e é, restritivas a elas.
Reservou-se a elas, tão somente a elas, as cólicas, o sangramento mensal, as obrigações domésticas, a resignação à cafajestagem, as dores do parto, tudo o quanto é infortúnio por um sadismo sabe-se lá de quem, mas que se definiu que a elas caberiam.
E, assim como tantas outras caem dia após dia, caiu ela também na conversa de um qualquer.
E amou-o tão e tanto, não como ele merecia, mas como ela gostaria que ele merecesse. Entregou-se inteira, mesmo sendo recente a aproximação e nada demais ele tenha feito para merecer tamanha confiança.
Pureza vale ouro, e o tanto que ela tinha, entregou a primeira oferta de um punhado de pouca coisa qualquer, que o primeiro galante lhe acenou. Mulheres têm dessas coisas, medo de ficarem sozinhas, de não surgir outros que, inevitavelmente, hão de surgir e que sejam um bocadinho melhor do que os anteriores.
Sonham as mulheres com príncipes loiros de olhos azuis montados em cavalos brancos, mas entregam-se ao primeiro moreno de olhar cafajeste, ombros largos e barba por fazer que lhes sorri. Assim ele era, assim ela se entregou.
Fosse ele de fato um príncipe loiro de olhos azuis montado num cavalo branco, provavelmente não lhe abandonaria. Abandono não condiz com a conduta dos príncipes. Mas este, definitivamente, não era o caso dele.
Sendo ele o tal moreno de olhar cafajeste, ombros largos e barba por fazer, como é de se esperar na previsibilidade dos roteiristas do cotidiano, a possuiu tomando-lhe a pureza de ouro em troca de um punhado de afeto de lata, partiu e nunca mais voltou, deixando além da saudade do seu cheiro de macho, um filho no ventre da pobrezinha.
Eis que cresceu o filho, e para aumentar o martírio da sua saudade que em nada o tempo passado conseguira amenizar, ainda que tenha tido outros homens, alguns até razoavelmente dignos, o filho trazia nos traços a lembrança do cafajeste que lhe marcara de maneira tão vil. Moreno, alto, ombros largos e barba irritantemente por fazer.
Por ser reservada as mulheres a frustração do amor não correspondido, por mais que tanto fizesse pelo filho lindo que mais lindo se tornava na exata medida em que crescia, menos valor ele dava ao amor que recebia daquela única pessoa que estivera ao seu lado desde sempre. Ele, o filho, disse precisar conhecer o seu pai, pois precisava saber de onde vinha aquela energia que trazia dentro de si, e não vislumbrava força igual na mulher que lhe trouxera ao mundo.
Não chorou, mas quis, por lembrar da força que tivera que desenvolver dentro de si para que conseguisse fazer do feto abandonado no seu ventre, um homem feito, homem que agora se prostrava diante dela relegando o tanto que fizera.
Mas ele fez questão de encontrar o seu progenitor, e decidido saiu de casa em busca do pai desertor.
Não ficou surpreso quando no dia da sua morte, do seu lado estava a mãe, chorando acompanhada por uma ou duas outras mulheres com o mesmo fraco por homens altos, morenos de olhar cafajeste, ombros largos e barba por fazer.
Não teve forças para pedir desculpas, estava muito machucado.
Mas lá, pendurado no pedaço de pau onde haviam lhe pregado a mando do pai que teimara em buscar, ouviu  sua mãe dizer, sem conseguir responder:
_ Jesus, meu filho, eu disse que ele não valia nada.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Amor dissonante em tom menor


Falemos, pois, sobre a culpa, ela que tão bem cai sobre nossos ombros, que nos veste melhor que fino pano de corte apurado. Falo disso, pois esperar nem sempre traz o que se espera, para desgosto do dito popular. Quase lá não é destino. Isso que a certa altura o amor me pareceu ter chego aqui, pra mim. Pareceu ter chego aí também, pra você. Pareceu ter chego pra nós. Talvez imaturidade sua, embora já não haja nos anos que você acumula espaço para ela. Talvez ingenuidade minha, embora mesmo não tendo visto tantas primaveras quanto você, pra inocente já não sirvo. E você escreverá palavras lindas para que eu leia, sem dizer que são para mim, para que eu as imagine sendo ditas pela sua voz melodiosa, irritantemente afinada. Grave quando quer, aguda quando poucos conseguem. É que você se acostumou a sentir dor, deve ser mal da idade. Dizem por aí que a dor evolui na medida em que os anos avançam, e ela, a idade, não leva em conta se sua cara não exibe o tanto de anos que sua carteira de identidade acusa. Não é dor o que você sente, é culpa. Culpa por não aceitar que meus olhos claros seriam capazes de te fazer sorrir todos os dias. Culpa até que te cai bem, eu te condenaria se você já não tivesse se antecipado a mim. Culpado, polegar do imperador virado pra baixo num Coliseu lotado de mulheres que tiveram a estúpida vontade de te fazer feliz. Não sou eu, não é nenhuma delas o leão que te devorará na arena, é tua insegurança. E você escreverá outras lindas linhas para que eu leia, para que elas leiam, e todas pensemos que é a nós que sua caligrafia se dirige. E nós, todas nós, imaginaremos as palavras em tom menor, para combinar com sua voz triste por cacoete, não por essência. E você seguirá colecionando acordes tristes e amores dissonantes, desprezando meu sorriso em tom maior, fingindo que ele não te afeta, que eu não era a pessoa certa, quando no fundo você sabe que sou. Sinto culpa por não ter tentado um pouquinho mais, tanto quanto sinto culpa por ter lutado tanto. Você sente culpar por falta de coisa melhor pra sentir.
Coitado de você.
Coitada de mim.
Coitados de nós.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

A Batina



Por você eu largo a batina.
Deixa disso, por mais que eu não goste da igreja, é o seu trabalho, é o seu emprego, você não pode largar o seu emprego.
É sério, nada mais me interessa além de estar com você, me unir a você como se fôssemos um só, aqui mesmo, no chão da sacristia.
Você não está falando sério, aqui?
Nunca falei tão sério na minha vida, nunca tive tanta certeza de algo na minha vida! É só você me dizer que sim que eu largo a batina agora!
Jura?
É só dizer que sim. Diz que sim, por favor...
Sim... Sim! SIM!!!
E, sofregamente, amaram-se ali mesmo, no chão da sacristia com a batina caída ao lado dos corpos nus.
No dia seguinte, quando Padre Deodato chegou ao local e viu Joana, a incumbida por lavar semanalmente suas batinas, nua no chão da sacristia ao lado de um qualquer, não teve dúvidas, demissão sumária e inapelável.
Ficou desempregada, mas saiu de lá sorrindo por ter tido ao lado de Aloísio a noite mais linda da sua vida, ainda que para isso tivesse que ter largado no chão a batina que lhe fora confiada à lavação.