quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O Evangelho Segundo o Diabo


Se as gentes do mundo soubessem o que de fato ocorrera, provavelmente não se amontoariam pelos cantos do mundo para repetir rezas e promessas que, mesmo que pela embriaguez da ignorância não saibam que aquelas ladainhas sem sentido não têm o menor valor prático.

Somente no sétimo, depois de seis dias de intensa procura, que o encontram. Estava caído na frente da porta fechada de um bar sujo num bairro pobre. Fedia a cerveja vagabunda, fedia a cigarro vagabundo, fedia a perfume vagabundo usado por mulheres vagabundas que atendiam vagabundos descornados. Nada parecido com o palacete suntuoso que a História divulgava como sendo a morada Dele.

Tudo pela mais intensa dor que se é possível sentir. Cólicas menstruais, pedra nos rins, tratamento de canal, enxaquecas, otites e até mesmo a dor do parto, nenhuma delas se compara a dor que se prega aos cotovelos.

Há muito tempo atrás, teve certeza que aquela morena linda que sambava devagar todas as noites do dia que alguns séculos adiante passaria a ser chamado sexta-feira, era a mulher que mereceria o posto de Sua companheira. Somente para ela, Ele concederia a honra de somar ao nome dela o sobrenome Dele.

Mas ela não era mulher fácil, não seria qualquer investida que a convenceria de que o matrimônio pode vir a tornar-se uma coisa boa. Estava bem sozinha.
Mais receio ainda tinha de dar confiança a Ele, cuja fama de mulherengo sempre chegava aos lugares antes Dele.

Aceita uma cerveja? Não Sua, Por que da rejeição, Por que são muitas as que recebem Suas cervejas, você as multiplica ao Seu bel prazer, apenas para impressionar as desatentas, E o que te impressiona? Fidelidade, Fique comigo, só comigo, Não estou te oferecendo a minha fidelidade, apenas questionando a Sua, Eu tenho a virtude que me interessar ter, Eu tenho o homem que quiser ter, Menos a mim, Eu não Te quero, Ainda, Não podes comigo o que podes com outras, Pergunte para qualquer um daqui ou de qualquer outro lugar, eu tudo posso, logo, não haverá coisa que venhas a desejar que não estará imediatamente ao teu dispor, E quem Te disse que eu quero algo que já não tenha? Eu digo, Falas muito, Eu posso, Menos a mim, Mas hei de poder, Não sou vulnerável a Ti, Não te quero vulnerável, Tão melhor assim, deste modo não me terias, E qual o modo necessário para ter-te? Faça para mim um mundo, Um mundo? Inteiro, um mundo inteiro, comece pela luz, depois me dê seres, vários e distintos seres, me faça plantas, quero também fogo, e águas, para quando cansar-me do fogo, Só isso? Não, Que mais? Exclusividade, não admito dividir-Te com quem quer que seja, Muita exigência para o meu gosto, Não fui eu que Lhe assediei, Dar-te-ei o que me pedires, se em troca te deres a mim, Não sou puta para me teres em troca de regalos, Então me diga teu nome por afeição, De onde tiraste a ideia de que me afeiçoei a Ti? Caso contrário já não estarias mais a estender esta conversa, Faz sentido, Te quero minha, Me impressione, Que faça-se a luz, então, Não me basta, quero um mundo inteiro, Me dê seis dias, e terás o teu mundo com tudo o quanto quiseres, Não me procure no sétimo dia, caso nos seis prometidos não tiveres o mundo que prometeste me dar, Minha palavra é uma só, se te disse que farei um mundo pra ti, um mundo terás, Lúcifer, Como? Me chamo Lúcifer, Lindo nome, Volte com o meu mundo, Em seis dias, Em seis dias.

E Deus tratou de por suas sacro-santas mãos a obra, e fez para Lúcifer, a mais bela das mulheres já nascidas, o mundo prometido. E foi tanto capricho na elaboração daquela obra, que reconhecendo a maestria artística com que executara sua tarefa, Deus ofereceu o mundo a Lúcifer como presente de noivado.

Bonitinho, este mundo que criaste, O fiz pra ti, agora és minha, Não sou mercadoria para que me tenham por bem de consumo, Fiz o que me pediste, O fizeste por que quiseste, O fiz por que pediste, Aceito tua cerveja, mas se em algum momento me traíres, sofrerás uma dor que não entendes, a do abandono. E Deus sorriu um sorriso largo de vitória.

Deus queria uma festa grandiosa, maior e mais bonita do que o mundo que criara, mas Lúcifer era reservada, e fez com que Deus aceitasse a cerimônia pequena que ela Lhe solicitara. Na verdade, por muito tempo não houve algo que ela tenha quisto, que Deus não tenha executado de imediato. Deus era submisso a ela.

Durante um bom tempo, aquela submissão fora o alimento necessário para que Deus e Lúcifer vivessem na paz dos casais estruturados, mas no seu íntimo, Deus sentia a coceira da boemia, dos bares e mulheres fáceis que durante tantas eras Lhe entreteram séculos após séculos.

O orgulho de ter ao Seu lado a mulher mais desejada de todos os tempos, não era suficiente para apaziguar sua alma cachaceira e mulherenga.

Um dia, Deus saiu de casa escondido após Lúcifer pegar no sono, Deus sabia melhor do que ninguém fazer o silêncio, deste modo, Lúcifer não tinha como acordar.

Nesta noite, Deus desceu ao mundo que enfeitava a estante de sua esposa, e tratou de esbaldar-se com as criaturas femininas que criara. Fora tanta orgia, bebida, música, que ele sequer preocupou-se em tomar determinados cuidados nas suas investidas promíscuas.

Lúcifer não soube desta aventura, e de outras que Ele aprontou cada vez que ela adormecia.

Um dia, quando as escapadas já haviam se tornado rotina, bateu a porta da casa de Deus e Lúcifer, um serzinho muito jovem e pequeno, como os tantos outros que habitavam o mundo.

Deus não estava em casa. Chamava-se José, o serzinho pequeno, e poderia ser chamado de pobre, caso houvesse então parâmetros que diferenciassem classes sociais. Mas não havia. Sendo assim, era apenas carpinteiro, o José.

Chama-me teu marido, disse José em tom imperativo, Quem pensas ser para bater a minha porta e me dar ordens? Sou o mesmo que tu, Anjo? Corno, Que dizes? Se tu fosses tão atenta quanto és bela, saberias que já amontoam-se os meses em que teu Homem desce ao lugar onde vivo para esbaldar-se com aquilo que não Lhe pertence, ainda que tudo tenha sido obra Dele, O mundo é meu, Mas é ele quem o abusa sem teu consentimento, Ele me é fiel, Não a ti, muito menos aos que criou, Por que me dizes isso, por que te arriscas vindo tirar satisfação com entidades que te podem pulverizar, caso pareça coisa interessante de ser feita? Por que a um homem cabe o dever de manter a sua honra, sua e de sua família, E o que eu tenho a ver com a tua honra? Agora tanto quanto tens de responsabilidade sobre a tua própria, De que acusas meu marido? Ele dormiu com minha mulher, Não é verdade o que me dizes, Tanto o é, que deste adultério nasceu um filho que é quase um dos seus, tamanha a capacidade quase instintiva que ele possui de realizar pequenas proezas que aos estúpidos parecem milagres.

Embebida em desconfiança e raiva, Lúcifer desceu ao mundo com o serzinho José, e viu com seus próprios olhos as façanhas do pequeno bastardo. Mais do que a facilidade que o menino tinha de realizar números mágicos para impressionar os outros, mostrando já no temperamento exibicionista um bom bocado do gene de Deus, o menino era a cara do próprio.

Lúcifer não teve dúvidas, no mesmo dia arrumou suas coisas e foi-se embora da casa de Deus. Mudou-se para o mesmo lugar que morava antes Dele aparecer na sua vida, e passou a dedicar seus dias a corromper os serezinhos que Deus havia criado e que o adoravam como se Ele os tivesse feito por misericórdia, quando na verdade não passavam de alegorias de uma cantada elaborada.

Deus ficou desesperado com a partida da Sua mulher amada, teve raiva do filho bastardo que por Seu descuido, veio a nascer. Fez com que o tal bastardo sofresse em vida a pior das dores que era possível alguém suportar. Suas proezas, que antes encantavam os que viviam ao seu redor, agora eram o motivo pelo qual era perseguido.

Deus humilhou Seu filho, impingiu-o com toda a sorte de agruras, de malvadezas, fez nele as dores ficarem mais intensas do que eram nos seus pares. Deus fez com que ele se sentisse culpado pelos pequenos dons que possuía, graças a hereditariedade divina.

Deus matou seu filho, cruxificou-o e sentiu-se enfim vingado.

Sabendo disto, Lúcifer tratou de ressucitá-lo, e fez com que aqueles mesmos serezinhos que foram feitos para adorar a Deus, passassem a adorar também o filho bastardo. E mesmo que Deus quisesse esquecer que um dia ele havia nascido, os serezinhos passaram a tratar o filho como se fosse o pai, obrigando-o a lembrar-se do filho rejeitado em cada vez que um dos serezinhos ajoelhava-se, unia as mãos e entoava as ladainhas repetitivas sem sentido.

Lúcifer nunca mais dirigiu a palavra a Deus, e isso o jogou na sarjeta. Desde então, ele vive bebendo nas piores pocilgas, sujando-se com mulheres sem valor e amaldiçoado pelos pecados que ele havia criado para poder manter os serezinhos sempre sob a sua custódia aterrorizadora.

Lúcifer não se dirige a Deus, mas faz com que ele saiba de cada uma das suas aventuras amorosas com as mais diversas entidades celestiais. Faz isso para que Ele sofra.

Refém de seus próprios atos, Deus agora sofre a inveja de quem à tem, a vaidade de querer exibi-la, a luxúria por querer possuí-la, a gula por querer repeti-la, a preguiça por querer abandonar-se a ela, a avareza por querê-la só para si e, finalmente, a ira por já não tê-la.

3 comentários:

Bruna Rafaella disse...

Olá Don...
eu vou dizer a verdade de coração, não gosto muito de textos sobre
Deus, porque acredito Nele!
mas seus textos são viciantes,
devem ter alguma droga??
é só de olhar mesmo né?

Hoje fiquei 2 horas na lan house,
só pra ler seus textos, sai mais
cedo do trabalho, cansada, suada,
apertada,descabelada, mais tinha que vim,tinha que ler, é viciante eu já falei, e li todos os textos atrasados, e pode me incluir nesse sorteio...

Já pensou eu com seu livro??
seria uma honra!!!....

Beijo Grande, eu volto!!!

Shuzy disse...

MtOo bom...
Se aqui não fosse Brasil, vc já tava censurado!
husahsuahsuhaushuahsa

Trév disse...

Texto orgastico.
Divino. (rs)
Voce é otimo, mas disso voce ja sabe.
;)

Beijos