quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A trilogia da zona - Capítulo 2: Uma dose de sinceridade


Não sei por que ela lhe disse isso, mas não tenho nada contra homens de bigode. Você fica bem com ele, e não estou sendo paga pra dizer isso. Você realmente fica bem com ele. Meu pai usava bigode, mas o dele era feio. O seu é bonito. Bem aparado. Gosto mesmo do seu bigode.

Embora você tenha me pedido para dormir sozinha hoje a noite, meio que por ciúme, lhe afirmo que ninguém poderia me ter feito pedido melhor, justamente hoje. Será um prazer dizer não ao Flavinho. Esse é o nome do playboyzinho. Ele tem ejaculação precoce, mas me paga sempre para que eu fique duas horas no quarto com ele, para que seus amiguinhos pensem que ele é fodão. Tadinho, deve ser por causa dos anabolizantes que toma, dizem que isso faz um mal danado para o pau. Muitas vezes o negocinho dele nem levanta, e quando levanta, fica cabisbaixo bem rapidinho. Rapidinho mesmo.

Mas não estamos aqui para falar dele.

Hoje eu não vou ser paga para dormir por duas horas enquanto ele fica vendo filme pornô.
Você disse que tem uma vidinha filha da puta, mas você não faz ideia do que é ter uma vida de puta. A grana é boa, a droga rola solta, o que alivia bastante a tristeza. Sei que isso pode lhe decepcionar, mas quero retribuir a sua sinceridade, não vou me permitir mentir ou omitir o que quer que seja.

Tem dias que só a beleza de uma boa carreira alivia o quão insuportável a vida às vezes se torna. Na primeira vez que me ofereceram, fiquei espirrando por mais de dez minutos, eu tenho rinite. É preciso desenvolver uma boa técnica para dar uma cheirada sem que saia espirrando na parte das outras meninas.

A Maria, esse é o nome da garçonete machorra que você mencionou, ela é que consegue pra gente. Me disseram que antes não tinha disso, foi pouco tempo depois de eu ter começado a trabalhar aqui que ela começou a nos servir. Dizem que é da boa, como eu nunca experimentei outra, acredito que seja mesmo. Às vezes o nariz sangra, mas, hoje em dia, sem ela é difícil de agüentar a rotina. Teve um dia que eu quase tive uma overdose, parei no hospital e tudo, mas hoje sei bem o meu limite. Sei quantas carreiras agüento.

Não posso negar que a grana seja boa, mesmo que boa parte fique para o dono do bar, ainda assim a grana que nos cabe é bastante boa.

Tenho dois filhos e, mesmo sabendo que sou muito bonita, não conseguiria outro emprego que me pagasse o que ganho aqui. Só estudei até a quarta série. Não gosto de estudar, nunca gostei. E de dar eu gosto. Se bem que aqui, não dou do jeito que gosto, até por que para se dar do jeito que se gosta, é preciso dar para quem se gosta.

Tem uma menina que trabalha aqui, aquela ali, a ruiva, que diz que só faz sexo com amor, mas que ama sexo, logo, sempre é com amor. Diz que é realizada por que trabalha naquilo que mais ama fazer, e no que acredita ter talento para fazer. Aquela consegue gozar até com mendigo, devia ser estudada por alguma universidade, não pode ser normal. Não vou ficar de falsa modéstia, também tenho talento para a coisa, mas não é qualquer um que me faz gozar. Acho que só o pai dos meus filhos que conseguiu isso, os outros, alguns deles, só chegaram perto. Mas ele me deixou, me largou para ficar com a minha prima. A vagabunda da família.

Não, ela não faz programa, é vagabunda mesmo, só de sacanagem, não por profissão.
Mas, mesmo eu tendo jeito pra coisa, mesmo ganhando um bom dinheiro e tendo cocaína boa de graça a minha disposição, mesmo que esse trabalho me permita dar tudo do bom e do melhor para os meus dois filhos, já que o sacana do meu ex não me paga um centavo de pensão, não foi por nenhum desses motivos que eu vim trabalhar aqui.

Quando o safado do Dionísio – esse é o nome do meu ex – me deixou, eu fiquei muito mal. Queria arrancar os olhos da vagabunda da minha prima, ela rindo da minha cara, dizendo que não tinha culpa se era mais gostosa que eu. E vou dizer, ainda que seja bonitinha, é toda cheia de celulite. Mas vive enfiada naquelas roupas de periguetes, saias curtíssimas, shortinhos atochados no cu, decotes que vão até o umbigo, uma vaca! Homem gosta de vacas, gosta de mulher vulgar. E eu, que sempre fui toda gostosinha de verdade, não tenho uma celulite, como você já deve ter percebido nos meus shows, mas na rua não ando fantasiada de puta. Só sou puta no trabalho, lá fora sou mulher normal, como qualquer outra, como a sua irmã, sua mãe, ou qualquer outra mulher direita que você conheça. Vou à missa e tudo. Numa dessas, até nos esbarramos por lá, mas como lá eu sou mulher normal, você não teria me notado. Você me notou aqui, por que aqui eu ando igual a minha prima, aquela vagabunda.

Um dia, eu estava no meio da rua no maior bate-boca com a minha prima, ela me bateu na cara, eu caí. Nisso, o Dionísio apareceu. Achei que ele ia me defender, mas o safado me deu um chute na barriga quando eu tava caída. Ele não sabia, mas aquele chute matou o terceiro filho dele.

Eu estava caída, me contorcendo de dor, quando alguém puxou o Dionísio por trás, agarrou o colarinho do safado e encheu a cara feia dele de soco. Pois é, ele é muito feio, eu e a vagabunda da minha prima brigando por um cobradorzinho de ônibus feio como o capeta, mas bom de cama como sei lá o quê. Como era gostoso, o desgraçado.

Aquele dia ele apanhou, apanhou muito. Quando caiu no chão, depois de ter a cara toda amassada de tanto soco que levou, ainda levou uns bons chutes. Pena que ele não estava grávido, para saber como dói abortar. Ainda caída, vi ele deitado no chão com a boca toda ensangüentada cuspir uns três dentes.

Quando olhei para cima, era a Maria que estava ali. Ela que havia espancado o desgraçado do Dionísio. A Maria é baixinha, gordinha, mas forte como poucos homens são. E sabe bater. Sabe bater pra fazer doer. A Maria é foda! Eu que não me meteria a besta com ela, melhor tê-la como aliada do que como desafeto. Quando ela apareceu com a farinha a primeira vez, eu disse que não queria, mas no fim, achei que era melhor não fazer desfeita com ela, justo ela que me estendeu a mão, me defendeu.

Ela me trouxe pra cá, me acolheu, cuidou de mim até que eu ficasse boa. Ela pagou com o dinheiro dela o médico que me atendeu, que fez a curetagem do meu filho morto, tudo clínica particular, atendimento de primeira.

A Maria tem aquele jeito grosseirão, mas é pessoa muito boa.

Antes disso tudo que você me falou, foi a primeira vez que alguém me tratou com carinho, carinho de verdade. Nem carinho de mãe eu tinha. Ela não gostava de mim, pois como sempre fui bonitinha, gostosinha, ela tinha medo que meu pai quisesse ficar comigo e deixasse ela. Ele até se engraçou pra cima de mim algumas vezes, mas aí eu conheci o Dionísio e logo saí de casa.

Desde que eu cheguei aqui, a Maria se tornou meio que a minha protetora. Ela que me indicou para o Flavinho, o playboyzinho. A Maria sabia que ele era inofensivo, e com ele eu poderia ganhar uma boa grana sem ter que me esforçar ou humilhar por isso. Você não faz ideia da quantidade de humilhação que algumas meninas têm que se sujeitar aqui para ganhar dinheiro. Tem homem que nasceu podre, e quanto mais envelhece, mais fede. A Maria sempre me protegeu, sempre me indicou para clientes certos, que pagam bem e não ultrapassam certos limites. Taras todo mundo tem, mas, mesmo as putas merecem respeito. Talvez a gente mereça até mais do que as outras mulheres, pois para que elas não apanhem em casa, é preciso que a gente leve alguns tapinhas dos maridos delas. Não sei se você gosta disso, mas uns tapinhas às vezes até que vai bem. O Dionísio era bom nisso.

Estou realmente comovida com a sua declaração de amor, tão simples, tão sincera. A gente escuta tantas promessas de clientes dizendo que vão pagar para que sejamos exclusivas deles, que vão nos dar apartamento, carro, o mundo, mas nunca escutamos alguém dizer que gosta da gente de verdade. Ouvir isso faz um bem danado, você nem imagina.
Mas não posso mentir pra você, por tudo o que eu vivi desde o dia em que apanhei na rua, no dia em que perdi meu terceiro filho, fui cuidada com tanto carinho pela Maria, que foi inevitável me apaixonar por ela.

Hoje, eu só trabalho aqui pra poder ficar perto dela. Só me sujeito a ir com os clientes que ela indica, por que imagino que ela vai ficar feliz por isso, por confiar nas indicações dela. É minha maneira de dizer pra ela como ela é importante pra mim, mesmo que, diretamente, eu nunca tenha dito. Tenho medo. Acho que não faço o tipo dela.

Mas tê-la por perto já me conforta, sei que ela vai me proteger. Queria ser a mulher dela, faria tudo por ela, e tenho certeza que com ela eu gozaria muito mais e melhor do que com o nojento do Dionísio, mas não tenho coragem.

Não fique triste por favor, não te conheço, mas já gosto muito de você. Mas entenda, ainda que já tenha um grande carinho por você, no meu coração só tem espaço para a Maria.

Maria, venha cá, por favor.

O que você está fazendo?

Vou lhe ajudar.

Eu não quero ajuda, você não vai falar nada pra ela, eu confiei em você, abri meu coração, você não tem o direito de me entregar assim, isso pode estragar tudo.

Não se preocupe, você vai me agradecer por isso.

Pois não?

Maria, já conversamos algumas vezes, você já sabe há algum tempo do meu interesse pela Michelle, mas existe algo que você ainda não sabe e precisa saber.

Pare já com isso, eu não quero que você diga nada, se você abrir a boca eu vou embora e você nunca mais vai me ver na sua vida.

Confie em mim, você ainda vai me agradecer por isso.

Escutem aqui vocês dois, sei que vocês já estão de conversinha há muito tempo, embora eu não tenha lhe indicado para falar com ele, mais do que isso, tenha dito para você ficar longe desta mesa, sei que você já está aqui com ele a bastante tempo, dona Michelle. Agora quem vai me ouvir são vocês dois.

2 comentários:

mundo da lu disse...

puts, muito legal, agora fiquei louca para saber o que essa Maria vai dizer...
Don, 2010 foi um pouco foda, uma parte boa foi conhecer vc, ops, seu blog, genial!
beijo

Bruna Rafaella disse...

Antes de dizer sobre o seu texto vou contar aqui o que me aconteceu na quinta-feira momentos antes de eu ler a 2° parte da sua trilogia no trabalho.

Estava eu já saindo de pausa e começei a ler, minha supervisora chegou e mandou eu fechar as páginas da internet, eu estava super entretida, querendo saber da história e o que tinha acontecido, mais trabalho é trabalho, fechei as páginas e esperei ela ir embora, ela foi.
Dei um tempo até ela se esquecer de mim, porque eu ainda tinha 10 minutos para voltar, era agora
TINHA que ser agora, foi aqui que eu me dei mal...
Quando tentei abrir a internet, não foi, e estou sem internet desde aquele dia, curiosa, ansiosa, querendo saber o que vai acontecer, hoje vim na lan house correndo,sorte que saio mais cedo do trabalho...
Estou falando está virando um vício seus textos, Não pare, por favor!!

Ah eu estava desconfiando da Maria, já imaginava ela sapata e não a Michelle...
A parte do cobrador de ônibus foi engraçada também, não que meu namorado seja feio mais me lembrei dele, porque ele é cobrador de ônibus, hahaha...
Estou adorando a trilogia, já vou começar a ler a parte final, odeio quando tem o final, o que será que vai acontecer??!