sexta-feira, 6 de agosto de 2010

O Melhor Advogado do Mundo


Você pediu uma audiência comigo?

Exatamente.

O que você deseja?

O julgamento final que me foi prometido na catequese.

Você já foi julgado. Julgado e condenado, diga-se de passagem.

Pois é, fiquei surpreso quando me vi no inferno. Não achei justo. E como dizem que o Senhor é justo, requeri esta audiência.

O que você não achou justo no seu julgamento?

Bom, para começar eu não estava presente neste julgamento, me foi negado o direito de defesa. Dizem que a Virgem Maria é a nossa advogada diante do Senhor, mas se eu não estava presente, como posso ter certeza que ela me representou? O Senhor sabe, embora o Senhor alegue onipresença, nós, humanos, não somos dotados deste dom.

Tá bom, admito, ela não esteve presente. Mas é que o seu caso era relativamente fácil, não vejo muita coisa que ela poderia alegar em sua defesa. E olha que ela é bastante condescendente.

Mas eu quero o direito à defesa que me foi negado. Aliás, meu primeiro argumento é exatamente este, como posso ter sido condenado se não pude dizer nada em minha defesa?

O que você quer, o purgatório?

Não, de jeito nenhum! Quero o reino dos céus!

HAHAHAHA!

Senhor, esta risada deverá contar nos altos do processo, além de me ser negado o direito a um julgamento justo e imparcial, esta risada está me ridicularizando.

Tudo bem, me desculpe, só achei engraçado, vamos então a sua vida e você me diz por qual razão eu devo lhe conceder o reino dos céus, vamos lá. Desde pequeno você tem uma conduta reprovável, totalmente em desacordo com os meus ensinamentos.

Meritíssimo, digo, Sua Excelência, Altíssimo, enfim, Senhor, sinto ter que discordar desta Sua afirmação, mas eu segui estritamente a risca cada ensinamento Seu.

Você passou a sua vida inteira na esbórnia, mulherengo, beberrão, mentiu, roubou, traiu, não vejo o que possa haver em sua defesa e o que isso tudo tenha a ver com meus ensinamentos.

Vamos por partes, foram várias acusações, e cada uma delas possui uma argumentação em sua defesa. Sim, fui mulherengo e beberrão, mas Agostinho também foi e virou Santo.

Mas ele se arrependeu.

Só que ele morreu mais velho do que eu, teve mais tempo para tomar consciência. Quem garante que eu não iria me arrepender também antes de morrer e, quem sabe, até virar santo?

Por via de regra, eu mesmo posso assegurar que você não se arrependeria.

Mas segundo as Suas sagradas escrituras, também me estava assegurado um julgamento que eu não tive. Requisito a mim o benefício da dúvida.

Tudo bem, digamos que seja constitucional. Mas você nunca ia à missa.

Livre arbítrio, Senhor. O Senhor nos deu o direito de escolha, se eu escolhi não ir à missa, apenas estava exercendo o direito que o Senhor concedeu a todos os humanos. Não posso ser condenado por gozar de um benefício concedido pelo Senhor

Bom, sigamos então para a próxima acusação. Um dos seus mais importantes casos foi defendendo o seu pai, deputado federal, com provas irrefutáveis de que tinha desviado milhões em verbas públicas que deveriam ser destinadas a educação, saúde, saneamento básico, moradia dos menos favorecidos, enfim, havia um universo inteiro de provas contra ele e você o defendeu e, mais do que isso, o livrou da condenação.

Senhor, esta acusação rebato com dois argumentos que o Senhor, na Sua infinita sabedoria, há de me dar razão.

Diga lá.

Primeiro, o Senhor determinou nas leis pelo Senhor estabelecidas, que devemos amar e honrar pai e mãe.

Sim, é verdade.

Então, Senhor, como poderia deixar meu pai, meu próprio pai sem amparo? Exatamente por amá-lo sobre todas as coisas e por buscar honrá-lo, que usei de todos os argumentos que me estavam ao alcance para livrá-lo daquelas acusações. Fiz o que o Senhor determinou.

Pera lá, eu não determinei amar o seu pai sobre todas as coisas. Os mandamentos são claros, “Amar a Deus sobre todas as coisas”.

Aí entra meu segundo argumento. Qual o Seu nome, Senhor?

São tantos, em cada cultura recebi um nome diferente.

Na cultura em que eu vivia, qual o Seu nome?

Jeová.

Qual o nome do meu pai, Senhor?

Jeová... Mas eu falava de mim, nos mandamentos!

Com o Seu perdão, Senhor, mas isso não está claro nas tábuas dos mandamentos. Há margem para várias interpretações, a redação é dúbia. Meu pai chama-se Jeová, o Senhor também chama-se Jeová, eu coloquei o meu amor por Jeová sobre todas as coisas. Mais uma vez segui a risca o que o Senhor determinou.

Malditos evangélicos...

Isso é blasfêmia, Senhor, blasfêmia é pecado.

Mas você mentiu quando o defendeu, pois você sabia que ele de fato tinha roubado aquela dinheirama toda, e não mentir também estava nos meus mandamentos.

Senhor, quem mentiu foi meu pai. Não fui eu que desviei aquela dinheirama, eu apenas o defendi dentro dos argumentos que a lei me ofereceu.

Mas aquelas eram as leis dos homens.

Mas os homens são a Sua imagem e semelhança, logo, as leis deles são também as Suas.

Seu argumento é válido, mas com ele você complica a situação do seu pai.

Bom, Senhor, neste caso, quando for chegada a hora dele, se o Senhor não se importar, eu gostaria bastante de representá-lo diante do Senhor. Até por que como ficou claro neste meu julgamento, a advogada que nos foi designada nem sempre comparece as audiências.

Ok, ok. Próxima acusação. Quando você assumiu a consultoria jurídica daquela grande empresa, você sabia que os funcionários seriam demitidos, mas fez questão de fazê-los acreditar que nada lhes aconteceria, impedindo que eles pudessem se precaver, procurar um novo emprego antes de serem mandados embora. Você tinha plena consciência disso e ainda assim os enganou.

O Senhor é onisciente, correto. Ou é mentira o que está na bíblia?

Não, essa informação está correta.

Então, quando o Senhor criou o paraíso e nele colocou Adão e Eva, o Senhor sabia que mais cedo ou mais tarde eles comeriam o fruto da árvore proibida, mas não disse nada disso a eles, permitiu que ambos caíssem em tentação e por causa disto foram demitidos do paraíso. Mas o Senhor, onisciente que Era e É, sabia que eles comeriam do fruto.

Ok, ok, eu admito, eu sabia. Mas para você diminuir os custos com verbas indenizatórias das demissões, você deixou uma grande quantia em dinheiro a disposição dos funcionários da empresa, sabendo que se pegassem aquele dinheiro seriam demitidos por justa causa, e você sabia que muitos deles eram pobres e estavam desesperados por um dinheiro extra que aliviasse as agruras por que passavam.

O Senhor deixou o fruto proibido a disposição de Adão e Eva, e o Senhor, por tudo saber, sabe que a curiosidade é ainda mais feroz que a necessidade. Quando o senhor apontou para a árvore e proibiu que do fruto dela eles comessem, o Senhor sabia que os estava instigando. Se o Senhor não quisesse que eles comessem, bastaria que não disponibilizasse a eles o fruto da árvore proibida.

Próxima acusação...

Claro.

Você teve dois filhos, o mais velho um rapaz muito bom e íntegro, desde novo começou a realizar trabalhos em uma ONG, o mais novo desde cedo com uma índole parecida com a sua. No dia dos pais de seis anos atrás, o seu filho mais velho lhe deu um porta retratos com a foto dele abraçado com as crianças que ele ajuda na ONG, o mais novo presenteou-lhe com um rolex, mas enquanto o primeiro fez o porta-retrato com as próprias mãos, utilizando materiais reciclados, o segundo roubou dinheiro da sua carteira para presentear-lhe. No aniversário do primeiro, você deu-lhe um porta-retratos de 1,99, com uma foto do cachorro da família, no aniversário do segundo, você deu-lhe um Peugeot 307 zero quilômetro.

Senhor, Caim era agricultor, Abel pecuarista. O Senhor aceitou a oferenda de Abel e achou insuficiente a oferenda de Caim, por causa deste motivo o Senhor inventou o ciúme, e aconteceu o mais famoso fratricídio de todos os tempos.

Não foi pela oferenda, foi pela fumaça gerada. A oferenda de Abel era do fundo do coração, e a fumaça desta oferenda subiu aos céus. A de Caim não subiu nada, logo dispersou.

Senhor, respeite a inteligência que o Senhor me deu. O Senhor, por tudo saber, sabe que ao se queimar gordura animal, a fumaça é muito maior e duradoura do que se queimarmos legumes.

Você roubou a sua firma de advocacia!

O Senhor deixou bastante claro em uma das suas mais propagadas parábolas, que devemos multiplicar os talentos que recebemos. Que culpa tenho eu se o talento com o qual o senhor me agraciou foi o de enriquecer? Eu multipliquei os meus talentos, Senhor. Basta ver quantos talentos havia no meu banco antes da firma, e com quantos talentos a minha esposa ficou após a minha morte.

Você teve um caso com a mulher do seu melhor amigo!

Amei o próximo, Senhor. Meu melhor amigo sempre disse que só era feliz quando sua mulher estava feliz. E ela era muito infeliz na cama, Senhor. Por amar aquele que era mais próximo de mim, e querer vê-lo feliz, ofereci a mulher dele a assistência sexual que a deixaria plenamente feliz. Foi por amor ao próximo, Senhor. Foi por amor ao próximo...

E a sua esposa?

Naquela época eu não era casado, Senhor.

E por que você nunca a traiu?

Ela também era advogada, e foi ela quem redigiu as cláusulas do nosso contrato pré-nupcial. Ficaria na miséria se fosse infiel.

Apego aos bens da matéria é também pecado.

Pecado maior seria agir em desacordo com aquilo que eu jurei para o padre diante do Seu altar.

Cacete, tá bom, tá bom, chega, pode ir para o reino dos céus. Você deve ter se esforçado demais para traçar essa linha de defesa.

Não, Senhor, foi até bem fácil. O caso do meu pai foi difícil, tive que me virar nas brechas da lei, mas neste meu caso foi até bem simples, o Senhor já havia estabelecido a jurisprudência.

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